As alterações climáticas e a sustentabilidade são temas na ordem do dia (e tiveram já destaque no Populus com a entrevista de Ana Milhazes, que pode ser lida aqui) e que, felizmente, começam de facto a inquietar um grande número de pessoas, de diversas faixas etárias. Patrícia dos Reis é a nossa protagonista de hoje para nos falar de dois projetos que espelham, de alguma forma, o seu modo de estar na vida, e que se relacionam precisamente com tudo isto…
Dar uma segunda vida…
Foi há cerca de 8 anos, na altura com 17 anos e a estudar no Ensino Secundário, que Patrícia dos Reis decidiu criar o blogue Reutilizar a Mente (que pode ser visto aqui). «Estava aborrecida, gostava muito de reutilizar coisas, a minha mãe sempre me passou essas ideias, sempre me ensinou muitas artes manuais e eu sempre gostei», começa por lembrar. Foi então que a ideia surgiu: «Por que não criar um blogue onde eu partilhasse ideias de reutilização e pudesse ganhar inspiração de outras ideias e replicar?».
Uns tempos depois, decidiu criar uma espécie de loja, associada ao blogue, onde reutilizava roupa e personalizava, no entanto, considera que «as pessoas não estavam tão recetivas a comprar em segunda mão ou coisas reaproveitadas para terem outro aspeto», recorda. No entanto, por «sempre ter sido uma paixão», a ideia continuou a “marinar” e foi, enquanto fazia a sua tese de mestrado, na Argentina, que tudo ganhou corpo. «Foi lá que eu percebi que tinha que investir nisto, fazer aquilo de que gosto e quem sabe um dia ter uma loja ou um projeto maior», conta. Isto porque, considera, na Argentina, as pessoas olham para o lixo de uma forma diferente, «é visto de outra maneira»: «Uma coisa que eu não sabia era que, por exemplo, o dinheiro que é gerado pela reciclagem serve para pagar aos cantoneiros que recolhem o lixo», refere.
Foi então que, ao escrever a tese, foi construindo o seu projeto e com o empurrão dado pela quarentena, que lhe deu mais tempo livre, criou o Up to You (espreitem). «É uma loja, um pequeno negócio que está baseado no upcycling e na personalização de roupa através de desperdício têxtil e outros materiais, tentando chegar ao lixo zero», explica, acrescentando que quer levar «a personalização a pessoas que têm peças de roupa» a que pode «dar outro ar ou reparar, porque a indústria têxtil é a segunda mais poluente do mundo e o fast fashion e tudo o que lhe está associado veio provocar um impacto grande no ambiente», adianta. Patrícia afirma que tenta dar o máximo de tempo de vida a todas as peças que vende: «Quando tenho uma peça que tenha sido eu a personalizar, envio um cartão com indicações sobre como cuidar da peça, ter cuidados extra para que ela dure o mais tempo possível. Essa é um bocadinho a minha motivação», refere.
Fazer, de facto, a diferença
Desde que vendeu a primeira peça, em abril de 2020, Patrícia já conseguiu atingir a marca dos «cinco quilos de materiais reutilizados» e este número «envolve tanto peças de roupa como tecidos que são, maioritariamente, retalhos». A artista, natural de Cascais, mas a viver em Sinta, usa pedaços de tecido «“desirmanados” que não dão para fazer coisas grandes ou turcos que têm publicidade ou que não façam parte de um conjunto». Além de comprar estes “desperdícios”, tem também parcerias com «pequenos negócios que enviam pedaços de tecido mais pequenos, que já não conseguem usar nas suas peças», mas que cabem «muito bem» nos artigos a que Patrícia dá vida. Como “base”, usa muitas vezes, peças de roupa em segunda mão, suas ou de outras pessoas, que lhas fazem chegar.
Na sua forma de trabalhar, tenta também produzir o mínimo lixo possível, aproveitando todos os restinhos para as mais variadas finalidades: «Tento utilizar envelopes que já tenha ou que me são doados. Uso fita-cola de papel que também é reciclável. Os pedacinhos muito pequeninos de tecido assim como linhas, guardo para fazer outros projetos ou enchimentos…», exemplifica.
O impacto inesperado
Quando começou a formar a ideia, nunca imaginou sentir o «boom», que experienciou nos últimos meses. Go with the flow era a filosofia, mas a página de Instagram e um vídeo no Tik Tok que se tornou viral, trouxeram até si «muitas das pessoas que compraram as peças». A partir daí, começou a alimentar as redes sociais com maior frequência e o projeto tem, naturalmente, crescido. «O próximo passo que estou a planear é ter uma página web», revela.
«Há pessoas que me procuram por serem peças diferentes, originais, coloridas, mas também tenho clientes que me procuram porque veem potencial no sentido em que compram uma peça que tem qualidade, mas com materiais que foram reutilizados e têm esse fator ambiental incutido», considera. Se tivesse de dividir as suas vendas por percentagens, atribuiria 65% às que são feitas também tendo por base o conceito e 35% aos que compram por gostarem apenas dos artigos, até porque «quando “chegaram” nem faziam ideia que as peças eram feiras com materiais reutilizados», frisa.
No futuro, gostava que isto fosse a sua ocupação principal e conta-nos que tem um sonho: «Mais tarde, gostava de ter o meu próprio negócio, o meu próprio espaço, onde pudesse dar workshops, ensinar as pessoas a reparar roupa e até mesmo convidar outros artistas e artesãos que também têm os mesmos conceitos e, assim, criar uma plataforma que só estivesse direcionada para a reutilização», explica. Mesmo que não venha a acontecer, Patrícia dos Reis afirma que enquanto «puder fazer estas pecinhas com coisas que já existem e causar o mínimo impacto possível, isso já é uma vitória», conclui.