Elsa Lopes tem 34 anos e há cinco descobriu que tem lúpus, uma doença crónica que lhe mudou as rotinas e o aspeto físico. Hoje, diz-se uma mulher «feliz, dentro das limitações». «Eu morri no diagnóstico e nasci outra pessoa», afirma.
Natural de Eiriz, no concelho de Paços de Ferreira, mas a viver em Sanfins, no mesmo município, diz que sempre foi «desregulada» em termos hormonais, sempre teve «muita queda de cabelo», por exemplo, «mas nada indicava que fosse um problema grave». Foi precisamente graças a um descontrolo hormonal que, aos 29 anos, Elsa Lopes engravidou. Foi também nessa altura que o lúpus se manifestou, embora inicialmente todos os sintomas se tivessem confundido com os da própria gravidez.
«Tudo começou com as pernas inchadas, perdi muito sangue, fui várias vezes à urgência. Primeiro era por causa do calor, depois era do rim, depois estava a perder sangue na urina, disseram-me que seria um problema renal, fiz exames mais detalhados e descobriram que estava grávida», já de 20 semanas, conta. Assim, todos os sintomas foram atribuídos à gravidez. Ana Rita nasceu de 36 semanas, saudável. Mas Elsa Lopes logo começou «a desenvolver febre, muita febre, muitas dores» e o corte da cesariana não cicatrizava. Apesar de ser um pós-parto «muito difícil», «nunca ninguém suspeitou que fosse algo mais grave».
Por trabalhar por conta própria, como esteticista, três semanas depois do nascimento da sua filha, voltou ao trabalho, «com algumas dores, ainda, mas com cuidado». Dois meses depois, em fevereiro de 2016, Elsa começou a ter muitas dores de costas, que «atacavam a perna e as pernas começaram novamente a inchar», conta. Foi cinco vezes às urgências e de todas elas trouxe um diagnóstico diferente. Da última vez, e já sem mais opções, os médicos decidiram fazer uma TAC e quando o resultado chegou, reuniram com Elsa e com o marido para dar o veredicto: Elsa teria que «ficar internada por tempo ilimitado porque tinha tido uma trombose venosa profunda», nas «veias renais, nas suprarrenais, na veia cava inferior e nas ilíacas, ou seja, basicamente, do umbigo para baixo, as veias estavam todas trombosadas», revela.
Contra todas as expectativas e depois de alguns exames, no dia seguinte, teve alta, com indicação para fazer uma ressonância já que era estranho alguém «tão jovem ter tido uma trombose daquela dimensão». Elsa diz ter achado muito estranho: «No dia anterior a médica disse ao meu marido que eu, por pouco, ia desta para os anjinhos. Se porventura o coágulo se desprendesse, se chegasse ao coração, ao pulmão ou até mesmo ao cérebro, eu podia morrer. E no dia seguinte, venho-me embora», recorda. Bastou uma noite em casa para a perna direita voltar a inchar, a ficar vermelha e a provocar muitas dores. Regressou ao hospital e foi novamente internada.
Entre casa-hospital, hospital-casa, foi no final de maio que regressada às urgências ficou novamente internada, desta vez sem que os médicos apontassem qualquer diagnóstico. «Não sabiam o que seria aquilo, ninguém percebia aquelas febres altas que eu tinha…», lembra. Nas duas semanas em que esteve no Hospital de Penafiel, diz ter feito um check-up geral. Tudo foi despistado até que se chegou, finalmente, ao diagnóstico: lúpus e SAF, uma síndrome de anticorpos antifosfolipídeos «que causa tromboses, faz o sangue coagular». «A médica disse que eu tinha que começar um tratamento rapidamente, com cortisona», adianta.
O peso das palavras
Elsa «não sabia o que era lúpus, nunca tinha ouvido falar, e o SAF muito menos». A médica, que ainda hoje a segue, explicou-lhe o que era a doença, qual o tratamento necessário, as alterações que ia sentir no corpo. Falou depois com o marido, a quem também explicou todo o processo, e a quem ressalvou que «com as doses de cortisona que ia tomar», o aspeto físico de Elsa «ia mudar drasticamente» e que essa seria «a batalha mais difícil», já que as dores iriam acalmar com a medicação.
«Chorei muito», confessa Elsa, acrescentando que, por muito «materialista» que possa parecer, lhe passou ao lado o facto de ter «uma doença para sempre» e os cuidados que teria que adotar. Na sua cabeça pairava apenas: “Cortisona, cortisona, cortisona”, remetendo para os efeitos físicos que isso traria. «Nunca fui magra, sempre tive uma autoestima muito baixa. Sempre fui fora do padrão, muito alta, fortezinha, mas já me estava a habituar àquele corpo, e depois surge isto que diz “agora vais ficar pior do que já estás”, para mim foi terrível», revela.
Na verdade, passou pouco tempo até que Elsa começasse a sentir os efeitos: «Ao fim de 15 dias já estava completamente desfigurada, transformada, tinha engordado imenso, mas não foi só pelo inchaço. No rosto foi pelo edema, mas eu engordei mesmo, porque aquilo me dava muito apetite, eu só pensava em comida», recorda. Passado um mês, Elsa tinha engordado 30 quilos.
A comida passou a ser um refúgio «emocional»: «Era ali que eu ia tirar o meu prazer, estava muito desgostosa com a situação e a expressão “doente crónica” é muito pesada», sobretudo quando se tem 29 anos, «e uma bebé muito pequenina que tive que entregar aos cuidados da minha mãe. Pairava na minha cabeça que a minha filha ia gostar mais da minha mãe do que de mim», lembra. Num mês, a vida de Elsa virou do avesso.
Esta foi uma fase complicada. Com uma profissão ligada à estética, não se livrou de comentários e olhares maldosos que fizeram com que se fechasse «um bocadinho». Durante essa fase, evitou festas, idas a restaurantes, tudo aquilo que abrisse a hipótese de encontrar pessoas conhecidas. «Trabalhava porque tinha que trabalhar, precisava do dinheiro e a doença estava a afetar-me muito a nível económico», conta. Neste momento – como, de resto, em todos os outros – não consegue deixar de destacar o apoio incondicional do marido, dos médicos, dos pais e de toda a família.
Mudar a forma de olhar para a situação foi um processo lento e «solitário», mas que aconteceu. Elsa começou a aceitar a sua condição e a viver com ela. «As pessoas diziam que eu tinha muita força, muita coragem. Mas eu era obrigada a ser assim, por mim, pelo meu marido que esteve sempre ali, e também pela minha filha, queria que a minha filha tivesse uma mãe feliz e alegre», afirma. «Agora sou mais forte do que era e tenho mais autoestima do que tinha. A autoestima também se trabalha», garante.
O casamento
Quando descobriu a doença, Elsa Lopes estava de casamento marcado. «Ia casar em agosto do ano em que descobri que tinha lúpus, isso era algo que me estava a atormentar», refere. Segundo a sua perspetiva, ao contrário da maioria das mulheres que procura estar na sua melhor forma no “grande dia”, Elsa sentia-se «pior, mais gorda, mais inchada, com a autoestima completamente no chão». Tudo isso contribuiu para a decisão de adiar o casamento para dezembro desse mesmo ano, transformando o evento em casamento, batizado e aniversário da pequena Ana Rita.
Elsa estava crente que, até ao final do ano, iria desinchar. No entanto, em setembro, quando consultou a sua médica, percebeu que não era assim que as coisas iam acontecer. A médica «disse que não devia estagnar a minha vida, devia avançar, inchada ou não, doente ou não, porque não ia desinchar até dezembro», mais, «disse que eu poderia estar assim um ano, dois, três ou a vida toda, porque ia sempre depender do tratamento». Quando saiu do hospital, a decisão estava tomada: ia casar!
«Foi difícil porque muitos familiares não me conheciam», sublinha. Nesta fase ouviu perguntas como: “Vais casar assim?”, “Não tens vergonha?”, “Ele vai querer casar na mesma contigo?”, “E se tu morres?”. «Ouvi de tudo», revela Elsa. No entanto, o seu sonho avançou. «Fui de meias de compressão, estava super inchada, foi das alturas em que estava mais inchada, mas casei», frisa.
A fase do desmame, o agora
Elsa está, neste momento, naquilo a que chama «uma fase muito boa da doença». Descobriu há cerca de um mês que «a doença estagnou» e por isso está em fase de desmame da cortisona. «Todo o lúpico que toma cortisona anseia pela remissão, para que a doença estagne, adormeça, para poder viver sem cortisona», afirma.
Sabe, porém, que nada é definitivo. «Agora estou em fase de desmame, mas posso ter uma nova crise, a doença pode acordar novamente, posso ter de tomar mais cortisona e, obviamente, o corpo vai voltar a ressentir-se e eu vou voltar a inchar, tenho de estar preparada para isso», adianta. Afirma também que quem é portador desta patologia não tem uma «vida normal»: «Uma pessoa normal não tem este vida, sempre com muitas dores, muitas limitações. Mas podemos ser felizes, não temos que viver amarrados àquilo. Tenho a minha filha, o meu marido, a minha família, tenho uma vida!», sublinha.
“Ai que 31”
Ao longo destes «difíceis» cinco anos, Elsa descobriu na escrita um escape. «Quando descobri a doença, queria pesquisar na internet e só havia grupos brasileiros, páginas de brasileiros, com que eu me identificava, mas parecia um mundo à parte: era longe, o nome da medicação era diferente, o dos médicos também… Além disso, comecei a conhecer várias pessoas com a mesma doença que se escondiam, que não falavam, que tinham vergonha e pensei que não podia ser assim», conta. Foi então que surgiu o Ai que 31, primeiro em formato blogue, que ainda mantém mas com menos frequência, e depois como página no Facebook e no Instagram. «A intenção era explicar um pouco o processo de aprender a viver com estas patologias e a forma como se encaram, assim como a autoestima que tem que se ganhar e a segurança que tem que se ter», explica.
Mas para quem tem problemas com o aspeto físico, não pode a internet potenciar ainda mais o problema? Elsa afirma que «no início foi tudo bom», já que os seus seguidores faziam parte do seu núcleo de amigos e conhecidos. «Recebi imensos comentários, todos muito agradáveis, toda a gente a falar muito bem de mim», conta.
Depois, quando a página começou a ganhar uma certa dimensão, veio o outro lado da exposição pública: «As pessoas diziam que eu me queria vitimizar, dar nas vistas por ser doente, que eu proclamava a gordofobia porque dizia que as pessoas tinham que se aceitar. Incomodava-me um bocadinho, mas nunca me afetou. É uma coisa chata porque as pessoas estão ali a falar mal de mim, ainda por cima no meu espaço, numa página que é minha», recorda. Elsa chegou mesmo a sofrer de cyberbullying, que motivou uma queixa às autoridades policiais.
Hoje, os seus seguidores são maioritariamente pessoas «com a mesma patologia ou algo idêntico, fibromialgia, doença de Crohn, que, no fundo, são todas primas umas das outras», o que faz com que sintam que Elsa dá a voz por todos. Porém afirma que estas doenças são ainda um mundo desconhecido em Portugal e que algumas pessoas ainda não aceitam a forma como encara tudo isto: «Uma vez uma senhora disse-me que eu estava a fazer pouco dos doentes. As pessoas têm aquele estigma de que quem é doente tem que ser deprimido, amargurado e triste. Por isso, tinha muitas críticas quando brincava com a situação, pessoas com alguma idade diziam que não se brinca com essas coisas, as pessoas levam tudo muito a sério», conta.
Encontrar a felicidade
Hoje, Elsa Lopes diz-se uma mulher «feliz e realizada»: «O meu trabalho nunca foi afetado, as clientes acompanham-me, trabalho imenso. Tenho um marido fantástico que sempre me acompanhou e a minha filha cresceu a ver-me assim. É uma criança super feliz. Para ela, andar de meias [de compressão] é normal, quando era mais pequena dizia que queria ter umas meias iguais às minhas. Pintarolas eram os medicamentos dela. Há pouco tempo fez um questionário sobre a mãe em que se perguntava o que é que a mãe gostava de comer e ela respondeu remédios», conta, entre risos. Elsa afirma que é «feliz, dentro das limitações». «É um processo diário em que a pessoa tem que se habituar à nova condição. É uma nova vida. Eu morri no diagnóstico e nasci outra pessoa», afirma.