Joana Cunha: O bom e o mau da maternidade

Escrito por

Catarina Correia Martins
17 Junho 2021

Foi no início de maio que A Mãe Joana viu a luz do dia. Cerca de dois meses após do primeiro contacto com a editora, os textos que retratam a experiência da maternidade de Joana Cunha chegaram finalmente ao público, depois de cinco anos guardados na gaveta.

Maternidade: o sonho

Joana Cunha tem 33 anos e é natural do Porto, onde reside. Licenciada em Educação de Infância, mas a trabalhar como artesã, desde sempre desejou ser mãe e «sempre quis ser mãe nova». Não é, por isso, de estranhar que poucos meses depois de casar, em 2014, trouxesse já o Martim na barriga.

«Passei a gravidez quase toda a trabalhar, foi super tranquilo, fazia o meu trabalho normal, nada de enjoos. Depois, a certa altura, tive mesmo de vir para casa, porque já estava a fazer dilatação e a médica disse que se não queria que o bebé nascesse antes de tempo, tinha que abrandar», conta. Na altura, trabalhava como educadora de infância, e estava efetiva, no entanto, ao regressar, depois da licença de maternidade, percebeu que não havia já lugar para ela, fora despedida.

«E aí é que nasce a Mãe Joana», considera. Mas se Martim já tinha nascido há uns meses, Joana Cunha não era já mãe? Sim, mas a Mãe Joana nasceu aí porque «eu passei a viver o meu dia-a-dia com o meu filho Martim, 24 sobre 24 horas. O meu marido dirige dois ginásios e tinha horários muito tardios, um dia-a-dia muito ocupado, saía cedo, chegava tarde. Então eu via-me só com o Martim. A par disso, o Martim nasceu com um problema, o pé boto unilateral direito, uma malformação. O pé do Marim nasceu completamente torto, virado para dentro», revela. Por esse motivo, ou por ter gesso praticamente desde que nasceu, ou apenas porque era a sua natureza, o Martim foi «um bebé muito difícil, chorava muito». «Para mim, mãe de primeira viagem, foi um início muito difícil, nasceu aí a vontade de desabafar, de escrever, nasceu aí a Mãe Joana», reitera.

Admitindo que «houve muitos meses» e arriscando até apontar para os primeiros anos de vida do Martim, em que diz ter-se sentido «mesmo muito triste», Joana Cunha diz que não sabe se passou por uma depressão pós-parto. «Passei momentos muito maus, muito em baixo, sentia-me muito sozinha, muito no fundo do poço e esqueci-me de mim, mulher», recorda. Apesar disso, não procurou saber, junto de algum especialista, se poderia ser algo mais profundo do que estar apenas triste. Porém, acredita que «se calhar» esteve «lá perto»: «Reconhecia a preocupação na cara da minha mãe, por exemplo, mas, sendo honesta, nunca quis estar a entrar no mundo da medicação, porque tinha um recém-nascido comigo e não me queria afundar nesse pensamento de que estava em depressão», conta.

O aparecimento da escrita

Era no artesanato, uma paixão que descobriu nessa altura, e na escrita que se refugiava. «No fundo estava a falar para mim própria, sobre o que eu sentia, no que eu estava a pensar, porquê isto e aquilo…», lembra, acrescentando que escrevia só para si, sem partilhar com ninguém.

Com a segunda gravidez chegou o Tomás e mais uma experiência de trabalho “cortada” por essa situação. Por isso, entre pequenos contratos de substituição, desde o nascimento do Martim que tem sido «quase sempre mãe a tempo inteiro». Foi, então, escrevendo…

Na sua página pessoal de Facebook, começou a partilhar alguns dos textos, ou pequenos excertos. «Comecei um bocadinho a medo porque não sabia como é que as pessoas podiam reagir ao ler aquilo, podiam pensar: “Então és mãe e estás assim? Devias estar feliz!”. Tinha receio dos julgamentos», afirma. Todavia, o feedback que foi recebendo era positivo. «Comecei com os textos mais levezinhos e as pessoas acabavam por gostar e dizer que se identificavam e para que continuar a escrever, porque gostavam muito de ler», adianta.

Os textos “duros” foram aparecendo com o tempo, pois Joana acredita que «não vale a pena embelezar a maternidade»: «É o melhor que há no mundo? Sim, é. Temo coisas boas? Imensas. Mas também tem situações e momentos muito maus», afirma. Por isso, os seus textos eram sobre «momentos bons, de conquistas, declarações de amor» de mãe para filhos, mas também sobre os dias em que «estava completamente um caco, com vontade de desistir», a achar que ninguém reparava em si ou se preocupava consigo.

O objetivo nunca foi lançar um livro, mas cinco anos e um monte de folhas de papel depois, a ideia pareceu mais plausível. A 4 de março deste ano, dia do seu aniversário, decidiu enviar um e-mail a uma editora e no dia seguinte recebeu a resposta positiva. A decisão foi tomada tendo em conta a certeza de que «devem haver por aí muitas mulheres e muitas mães que sentem, pensam e estão na mesma situação e não se sentem compreendidas, que se sentem sozinhas» e a editora percebeu que o «público-alvo seria imenso».

No primeiro mês vendeu cerca de 40 livros e considera que a adesão do público está a ser muito boa. «Nunca pensei porque sempre tive medo que as pessoas me pudessem julgar. Mas está a ter um impacto muito grande, não contava que fosse assim, às vezes nem sem lidar com tanta mensagem e tanto carinho», revela.

O seu objetivo é que A Mãe Joana «possa chegar ao maior número de pessoas, porque há muitas mulheres, mães, que entram em depressão ou deixam de gostar de si próprias e só vivem para os filhos. Acham que não vão mais voltar a ser as mesmas e não estão sozinhas, há muitas outras mães assim», afirma. «O livro, além de ser uma prova de amor para os meus filhos – guardei-lhes dois exemplares para, quando crescerem, saberem pelo que passámos –, é também uma mensagem de uma mãe para todas as outras», adianta.

Hoje, continua a escrever. «Quando preciso, quando me apetece, quando me faz sentido, seja por um dia mau ou por um dia bom, eu escrevo», avança, porém, olhando para trás, acredita ter dado «a volta por cima e renascido».

A hipótese de um segundo livro não está excluída. «Vamos ver como corre, até onde pode ir e se vale a pena. Depois, se conseguir juntar uma coleção de textos como consegui para este, talvez pense num segundo livro», refere. Até lá, A Mãe Joana pode ser adquirida junto da autora, na página de Facebook com o mesmo nome do livro, ou diretamente no site da Chiado Books.

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