Natacha Roxo: Ganhar asas e voar (quase literalmente)

Escrito por

Catarina Correia Martins
5 Março 2020

Natacha Roxo é hospedeira de bordo na Ryanair há cerca de três anos. Nunca sonhou com esta profissão mas confessa que gosta muito do que faz e que todos os dias são um desafio.

Enquanto criança, «além de sempre querer ter sido modelo», imaginava-se também atriz, «quer em palco, quer em televisão, qualquer coisa…». Acumulou atividades extracurriculares, passou pelo ballet, a natação, viola d’arco, ginástica acrobática, dança jazz, desfiles e sessões fotográficas e pelas aulas de inglês. Nada fazia prever que os seus dias seriam nos céus. Depois de terminar a licenciatura em Comunicação Social, Natacha «andava à procura de trabalho pela internet» quando o pai lhe enviou um anúncio que dizia que «a Ryanair estava a precisar de novas pessoas»: «Mandei o currículo e minutos depois responderam a marcar o dia da entrevista [o chamado Open Day], com todos os detalhes relativamente à roupa que deveria levar, documentos…», lembra, acrescentando que «simplesmente» se deixou «ir com a maré», sem estar «à espera de nada».

No Open Day, «além de estar muito nervosa, estava atrasada», coisa que nem é seu costume, afirma. Entrou «tarde, numa sala cheia de gente» e diz ter ficado em pânico. Depois de uma apresentação da empresa e de um mini-teste de inglês, os concorrentes foram sujeitos a uma entrevista e, no fim do dia, Natacha Roxo trouxe pouco mais do que “uma mão cheia de nada”: «Disseram-me que iam entrar em contacto comigo daí a uma semana». Estava com os amigos quando recebeu a notícia. «Eles davam-me os parabéns e eu acho que nem me mexia, não conseguia acreditar, mas no fundo fiquei muito contente, porque significava uma mudança de vida», lembra.

O curso de hospedeira começaria uma semana depois, em Hahn, na Alemanha. Seguiram-se dias atarefados para preparar os tempos que se seguiam. «Só me mentalizei que a minha vida ia mudar quando a minha mãe e os meus avós me deixaram no aeroporto», conta. Recorda que os primeiros dias de curso «foram um pouco complicados» pois «já não estava habituada a ter aulas, ainda por cima tão intensivas». Passada que estava a parte teórica, seguiu-se a prática: «Houve um dia dedicado apenas à natação. Seguiram-se três dias num simulador de avião a fazer todos os possíveis acontecimentos de emergência, a apagar um possível fogo, a tentar salvar um bebé no meio de fumo e ruído. Depois desses dias foi quando recebemos as nossas asas, estava definitivamente apta para ser hospedeira de bordo da Ryanair», recorda, orgulhosa. No dia seguinte, era hora de cada um ir para a sua base, a Natacha calhou Manchester, em Inglaterra.

Hoje, faz apenas voos de e para a sua base, tendo «maioritariamente voos para Espanha, Ilhas Canárias, Polónia e Itália», «de vez em quando» lá lhe calha Marrocos, e «muito, muito raramente» Faro ou Porto. No entanto, o trabalho de Natacha contraria aquela ideia feita de que as hospedeiras de bordo conhecem imensos países: «Não posso dizer que visitei algum destes lugares. Assim que chegamos ao nosso destino, depois de todos os passageiros saírem do avião, temos apenas 25 minutos para dar uma limpeza geral ao avião, para entrarem os próximos passageiros», refere.

Os (poucos) voos para Portugal entusiasmam-na sempre: «Adoro fazer voos portugueses, estar com os “nossos”. Não sei explicar, mas sente-se muito a diferença relativamente a passageiros», aponta. Não obstante isso, voar dá-lhe «sempre gozo» e diz que se diverte sempre, «então se gostar da equipa, ainda melhor».

Os ganhos e as perdas

Esta mudança na sua vida trouxe-lhe mais do que uma profissão. «Eu e o Daniel conhecemo-nos no dia em que íamos para Hahn. Desde aí que fomos sempre falando, ele ajudou-me muito a estudar, a lidar com as saudades… Não nos largávamos durante o curso e depois, pronto, quando demos por nós, já gostávamos muito um do outro e começámos a namorar», revela. «Quando o curso acabou, foi complicado manter a relação, porque ele ficou baseado em Edimburgo, a seis horas de autocarro de Manchester. Como não tínhamos os mesmos horários e as mesmas folgas, sempre que o ia visitar, ele trabalhava e vice-versa. Passados sete meses, ele conseguiu a transferência para Manchester e estamos a viver juntos desde aí», conta.

Daniel tem sido, de resto, o grande suporte de Natacha: «Gosto muito do que faço, não desgosto da cidade onde vivo, gosto da minha independência… Mas custa muito não poder ir ao café e encontrar os meus amigos, ou não ter a minha mãezinha para me dar mimos quando estou triste ou doente. Ou todos os dias. Há dias muito complicados, sobretudo quando não consigo estar presente em aniversários, épocas especiais». E é aqui que entra Daniel: «Apoiamo-nos mutuamente».

Para sempre?

O futuro é, para si, incerto. Natacha Roxo diz que «num futuro próximo», não se importa de continuar com esta vida. E admite que «gostava muito de tentar uma companhia que não fosse Low Cost» e que «gostava de evoluir na carreira», embora saiba que tem «muito trabalho pela frente». «Por agora, o plano será sair do Reino Unido, já não consigo não ver o sol todos os dias», avança.

Natacha Roxo sublinha, porém, que quer «ter uma família», o que, na sua opinião, «é impossível de conciliar com este trabalho», por isso, «quando achar que é tempo para isso, talvez volte a procurar alguma coisa na área da Comunicação». Natacha considera mesmo que não abandonou a sua área de formação: «Utilizo-a todos os dias. Tenho que pensar bem nas palavras que uso para comunicar com certos passageiros, sobretudo os mais carrancudos», brinca.

Deixe aqui a sua mensagem

Outros posts

Joana Cunha: O bom e o mau da maternidade

Joana Cunha: O bom e o mau da maternidade

Foi no início de maio que “A Mãe Joana” viu a luz do dia. Os textos que retratam a experiência da maternidade de Joana Cunha chegaram finalmente ao público, depois de cinco anos guardados na gaveta.

Elsa Lopes: Viver com lúpus

Elsa Lopes: Viver com lúpus

Elsa Lopes tem 34 anos e há cinco descobriu que tem lúpus, uma doença crónica que lhe mudou as rotinas e o aspeto físico. Hoje, diz-se uma mulher «feliz, dentro das limitações».