Emanuel Santos: Do busto do Ronaldo à vida autárquica

Escrito por

Jéssica Moás de Sá
21 Maio 2020

Durante vários dias circularam várias piadas na internet. Dizia-se que o busto de Cristiano Ronaldo, que Emanuel Santos fez para a cerimónia que deu o nome do jogador ao aeroporto da Madeira, nada tinha a ver com a imagem real do craque português. O busto acabou mesmo por ser substituído por outro, de um escultor espanhol. Hoje é presidente da Junta de Freguesia do Caniçal e estas voltas e reviravoltas são o tema desta conversa.

O barro vem desde cedo

Sempre se ouviu dizer que “quem não tem cão, caça com gato” e era mesmo isso que Emanuel Santos fazia em criança. «A minha infância foi vivida de uma forma muito diferente das crianças de hoje, refiro-me aos tipos de brincadeiras, não tínhamos um tablet ou telemóvel para jogar jogos», conta Emanuel Santos, nascido e criado na Madeira. Era filho «de pais pobres», o pai era pescador e a mãe doméstica e era um dos sete irmãos, o que fez com que passassem «algumas privações». E foi aqui que, sem querer e para se “desenrascar”, teve o primeiro contacto com uma atividade que viria a exercer: «Não havia dinheiro para comprar brinquedos, então eu fazia os meus próprios brinquedos e a matéria-prima era o barro».

Já na adolescência, não conseguiu manter-se a estudar, embora fosse esse o seu desejo, porque os pais não tiveram condições «financeiras» que o permitissem. Abandonou os estudos e começou a trabalhar, projetando «ter a própria casa e construir família». Acredita que hoje os jovens não pensam assim, querem apenas «viver o presente, o futuro logo se vê». É visível que não ter tido a possibilidade de estudar é uma mágoa para Emanuel Santos, que se «aplicava com muita dedicação» nos estudos para um dia ter «um bom trabalho».

A oportunidade de esculpir Cristiano Ronaldo

Já percebemos que, desde criança, Emanuel Santos, encontrou no barro um aliado perfeito, que transformava nos brinquedos que não tinha possibilidade de comprar. Considera-se «autodidata» e por isso a técnica da escultura «foi aperfeiçoada ao longo do tempo» de uma forma autónoma. Houve um período grande da sua vida em que parou totalmente de fazer estes trabalhos, mas num momento em que estava desempregado, chegou um convite da Câmara Municipal de Machico: «Queriam que fizesse uma escultura à escala real para homenagear os pescadores da Freguesia do Caniçal». Este foi o seu primeiro trabalho público e Emanuel Santos confessa que sentiu uma «grande responsabilidade e medo» de não corresponder às expetativas. O desafio foi concluído, a população «gostou desta homenagem feita aos pescadores» e sobretudo de ter sido elaborado por um «filho da terra», conta.

Mas como se dá o salto de uma escultura local, para a oportunidade de fazer o busto de um dos melhores jogadores do mundo? «Essa oportunidade surgiu quando eu estava a trabalhar no aeroporto, nessa altura soube que iria ter o nome de Cristiano Ronaldo. Então decidi fazer o busto e abordar os responsáveis da estrutura aeroportuária. No início acharam um pouco estranho a minha ousadia em falar com eles, mas depois lá disseram para fazer e que depois decidiam», explica. Emanuel Santos ficou muito «contente» e assume que deu «tudo por tudo» para que o trabalho ficasse bom. Fez um «apanhado das características» de CR7 e tentou que estivessem presentes na peça, sobretudo a sua alegria: «Ele estava a sorrir porque era uma forma de dar as boas-vindas a quem chegava à ilha», especifica. Com a peça concluída, estava na hora de mostrar «aos dirigentes do aeroporto», que «gostaram e decidiram avançar, já com o consentimento da família de Ronaldo». Assim foi, quando se deu a cerimónia que assinalava a nova designação do aeroporto – Aeroporto Internacional da Madeira Cristiano Ronaldo – foi também mostrado ao mundo o busto do jogador.

O que se seguiu depois foi «o pior período» da vida de Emanuel Santos. As críticas ao busto foram notórias, umas num tom mais sério, mas a maioria em tom de ridicularização. O autor confessa que «foi difícil de gerir, havia momentos em que nem sequer queria sair de casa». Sempre foi uma pessoa que gostava de conviver e nesse momento acabou por se retrair e a sua rotina era «trabalho-casa» para não ter de lidar com ninguém. Perguntou-se muitas vezes: «Será que mereço ser alvo de tanta crítica?». Apesar disso, Emanuel Santos afirma que voltaria a fazer tudo da mesma forma. «Depois de tudo o que se passou, chego à conclusão que não perceberam a minha mensagem com aquela peça», acredita. Com o próprio Cristiano Ronaldo só teve contacto no dia da celebração, a quem pediu que assinasse uma bola para o filho, mas tirando isso, não houve qualquer conversa.

Estaria por vir um cenário ainda mais complicado: o busto de Emanuel Santos acabou por ser substituído por outro, feito por um escultor espanhol, mais de um ano depois e sem que o escultor fosse avisado primeiro. «Fiquei bastante magoado pela atitude e pela forma como foi feita esta mudança. […]Tudo já tinha passado, as pessoas já aceitavam bem o busto, era mais um ponto de atração da Madeira, que levou a ilha aos quatro cantos do mundo. Por vários motivos e mais alguns, fiquei triste. Foi uma obra que fiz com tanto carinho, dei tanto de mim para fazer aquele busto», confessa. O madeirense voltou a passar por um período complicado, mas houve uma “luz ao fundo do túnel” que o fez renascer. Foi convidado para fazer o busto de Gareth Bale, que na altura era companheiro de equipa de Cristiano Ronaldo. O pedido surgiu por parte de uma entidade de Cardiff, País de Gales, naturalidade do avançado.

E hoje, é presidente de Junta

A política surgiu na vida de Emanuel Santos através de um convite por parte de um partido, e foi o seu «gosto por desafios» que o fez aceitar. A escultura e a política são, na sua opinião, antagónicas: «A escultura é como viver num mundo só meu, estou sozinho e sem ninguém por perto, enquanto que na política tem de se trabalhar com muitas pessoas e para o povo», explica. E como é que o presidente da Junta de Freguesia do Caniçal avalia este seu trabalho, em prol do povo, até agora? «Olhando a tudo o que tenho feito até à data, nas varias áreas de ação, considero positivo. Mas reconheço que muito ainda está por fazer e poderei não chegar a todos, no entanto continuo com a mesma dedicação para resolver os problemas e angústias da população, mediante as nossa possibilidades», garante.

Emanuel Santos afirma que atualmente o seu foco está mesmo na vida política e «no compromisso com a população». Prefere «viver o presente» do que pensar em projetos futuros, no entanto, admite que um dia gostaria de ter a possibilidade de esculpir «uma figura mediática de corpo inteiro, em bronze, para colocar num espaço público». Estes sonhos continuam a alimentá-lo mesmo depois de ter passado pelo escrutínio mediático cruel, porque para si essa é mesmo a resposta, continuar a lutar. Para todos os que possam vir a sofrer como ele, deixa um conselho: «Não devemos ligar a tudo o que passa porque existirá sempre quem não gosta daquilo que fazemos e devemos ser fiéis aos nossos princípios».

Deixe aqui a sua mensagem

Outros posts

Joana Cunha: O bom e o mau da maternidade

Joana Cunha: O bom e o mau da maternidade

Foi no início de maio que “A Mãe Joana” viu a luz do dia. Os textos que retratam a experiência da maternidade de Joana Cunha chegaram finalmente ao público, depois de cinco anos guardados na gaveta.

Elsa Lopes: Viver com lúpus

Elsa Lopes: Viver com lúpus

Elsa Lopes tem 34 anos e há cinco descobriu que tem lúpus, uma doença crónica que lhe mudou as rotinas e o aspeto físico. Hoje, diz-se uma mulher «feliz, dentro das limitações».