Bernardo Rocha é biólogo e entre 10 de janeiro e 6 de março esteve a viver aquele que é o sonho de muitos cientistas e não só: esteve na Antártida, que o próprio caracteriza como «o último grande reduto da natureza». Envolvido num projeto relacionado com as alterações climáticas, contou-nos o seu teor assim como partilhou a sua experiência em termos pessoais.
Foi o projeto Lichen Early Meter 2 que lhe deu a oportunidade de viver uma das experiências únicas da sua vida. Liderado por Paula Matos, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e também orientadora de doutoramento de Bernardo Rocha, o nosso protagonista, o projeto foi escolhido e financiado pelo Programa Polar Português. Bernardo Rocha e a sua orientadora passaram então dois meses na Antártida, mais especificamente na ilha de Nelson e na ilha de Livingston, com o objetivo de «encontrar e desenvolver um indicador ecológico que permita entender de que forma é que estas zonas na Antártida estão a ser impactadas pelas alterações climáticas e, a partir daí, o que se pode fazer para mitigar estes problemas», explica, de forma simplificada, Bernardo Rocha. De acordo com o biólogo, na Antártida, «os ecossistemas são relativamente simples, no sentido de que há poucas espécies». «No nosso caso, focámo-nos essencialmente nas biocrostas» que são «comunidades de organismos vivos que crescem ao nível do solo, em sistemas áridos ou sub-áridos, que é o caso da Antártida», refere. Espantem-se: «A Antártida é como se fosse um deserto, o equivalente ao ecossistema é um deserto frio, porque não há disponibilidade de água, uma vez que a maior parte está congelada». As biocrostas estudadas são «normalmente organismos mais simples e, consequentemente, não necessitam de condições tão boas para poder existir», explica o cientista, acrescentando que são compostas por espécies simples de plantas, musgos e líquenes. «Aquilo que o nosso projeto quis fazer foi entender de que forma é que as biocrostas, estas comunidades na Antártida, respondem aos fatores climáticos». Estão então lançados os dados para dois meses de aventura.
«Normalmente, este tipo de investigação faz-se com dados de séries temporais grandes, com 50, 60, 70 ou 80 anos de idade», mas como no continente gelado «a investigação é relativamente recente», não estão disponíveis esses dados. Há que arranjar alternativa, que passa por «mudar um bocadinho a abordagem» e em vez de observar como o clima muda ao longo do tempo, procura-se perceber como o clima muda geograficamente. E se para os leigos começar a ficar difícil de perceber, Bernardo troca isto por miúdos: «Por exemplo, em Portugal, ao compararmos a vegetação do norte com a do sul, no Alentejo ou no Algarve, é completamente diferente. Isso deve-se aos fatores climáticos serem diferentes. No norte a precipitação é muito maior, as temperaturas são mais amenas… A vegetação reage a isto e por isso existem espécies diferentes. Na Antártida, como o clima é muito extremo, há também essas alterações, mas em vez de as termos em 300, 600 ou 800 quilómetros, temo-las, muitas vezes, em 500 metros ou um quilómetro».
Uma vez que as condições, dificultam a estadia prolongada no campo, os locais são fotografados «e depois essas fotografias são processadas em computador e a análise é feita a partir daí». Depois de recolhidos todos os dados, é então necessário «modular isto e tentar entender de que forma é que podemos usar os resultados para entender como é que o ecossistema vai reagir, no futuro, e aquilo que podemos fazer para mitigar esses impactos», explica Bernardo.
Disse “sim” sem pensar duas vezes
«Este é um sítio onde a maior parte das pessoas, acho, gostaria de ir, nem que fosse só por turismo», começa por revelar. Para Bernardo, «este é o último grande reduto da natureza, ainda é o sítio mais inexplorado, mais sem civilização que há» e se só isso impele a curiosidade, a vontade aumenta quando se pode «fazer ciência num sítio destes»: «Acho que é uma oportunidade não necessariamente única mas muito pouco provável de acontecer à maior parte das pessoas». Além disso, Bernardo vai usar parte dos dados desta campanha para o seu doutoramento, por isso, considera que foi um misto de «gosto por turismo com gosto por ciência e com necessidade por trabalho».
«Quando vamos para um sítio novo, temos sempre alguma ideia do que vamos encontrar, seja porque outras pessoas já foram, seja porque já vimos imagens na televisão, nas redes sociais…», relativamente à Antártida não é bem assim e Bernardo afirma que a única coisa que sabia realmente era «o que ia fazer em termos de trabalho». «Mesmo para a minha orientadora, que já tinha ido no ano passado e já tinha estado na maior parte dos sítios, é difícil pôr em palavras a experiência que foi», afirma. Por isso, aquilo que mais marcou Bernardo foi «a ideia de ir sem saber o que esperar» e, então, «tudo foi positivo»: «Tudo me agradou, tudo foi fascinante. A sensação, às vezes, até era estranha. Acordar e não ouvir aqueles barulhos normais que ouvimos nas cidades, os carros, as pessoas. Ali é uma calma, é realmente estar em sintonia com a natureza», recorda.
E a logística? Na Antártida não há hotéis
A Antártida é «um sítio neutro» que «não pode ser reclamado por nenhum país», porém, há «várias dezenas de países que têm bases na Antártida. Apesar de muitas vezes serem construídas com propósitos pouco bonitos, por questões militares e diplomáticas, a verdade é que todas elas estão abertas à Ciência», explica o biólogo. Como o Programa Polar Português não tem uma base, os cientistas portugueses cooperam com outros países para ficarem alojados nas suas bases ou refúgios. «Ficámos em várias bases. No primeiro mês, janeiro inteiro, ficámos numa base, na ilha de Livingston, que é uma base top, bastante vanguardista, muito recente e com tudo o que possamos querer», começa por contar. «No segundo mês, já foi um pouco mais duro. Estivemos na ilha de Nelson onde não há realmente bases, apenas refúgios. Estivemos num dos refúgios, onde as condições já não eram tão favoráveis. Acampámos e fazíamos as refeições numa cabana de madeira, tínhamos só uma fogueira para nos aquecer», recorda.
Com quem podemos cruzar-nos?
«Na Antártida há três tipos de pessoas», explica Bernardo: os cientistas, «que podem ser de diversas áreas, desde engenheiros a arquitetos ou biólogos, existem químicos, geólogos…»; as pessoas da logística, «militares, operários que estão a construir coisas, na ilha principal há bombeiros, técnicos do aeroporto, polícias, e as pessoas que mantêm as bases ativas»: por fim, os turistas, os que estão «mais longe da finalidade principal científica mas que também existem e que todos os anos há mais».
Se o convidassem de novo, Bernardo diz que voltava. Mas mais que isso, revela que provavelmente voltará. Nas Ciências, quando se encontram respostas surgem novas perguntas, diz, e por isso, acredita que, em consequência deste projeto, outros surgirão e haverá novamente a necessidade de ir ao terreno procurar respostas.