Um Quarto de Mim é uma curta-metragem, da (quase) inteira responsabilidade de Ana Domingues. No último ano do mestrado em Cinema, na Universidade da Beira Interior, Ana Domingues escolheu este projeto para ser o que marca o final desta etapa da sua vida. Em fase de pós-produção, a curta-metragem deve estar pronta em setembro e o Populus quis saber o que está por detrás das câmaras…
O conceito
Ana Domingues é licenciada em Comunicação Social, pela Escola Superior de Educação de Coimbra, mas a “sétima arte” chamou por ela quando acabou o curso, o que a fez escolher o mestrado em Cinema, na Covilhã. Agora está já na fase final deste ciclo de estudos e, tendo de escolher entre um estágio curricular, uma tese ou um projeto, a última opção ganhou vantagem e Ana Domingues aventurou-se na curta-metragem Um Quarto de Mim.
«Achei que era uma boa oportunidade de fazer um filme, porque o cinema em Portugal não é uma área propriamente fácil. Pensei que, se calhar, não vou ter muitas oportunidades, no futuro, de fazer um filme», explica. Ana, que tem vários papéis no filme – escreveu o guião, é produtora, realizadora e operadora de câmara –, conta que o conceito emanou, um pouco, daquilo que é a curiosidade e o gosto pessoais: «Gosto muito de psicologia e comecei a pensar que podia fazer um filme sobre emoções e estados de espírito. A ideia era, em cada divisão da casa, retratar um estado de espírito ou uma emoção. Mas comecei a achar que isto era muito pouco…», lembra. Foi então que, numa pesquisa, descobriu o Transtorno Dissociativo de Personalidade.
Estava então, mesmo que Ana não soubesse na altura, escolhido o tema do seu projeto. «Uma pequena pesquisa acabou por se tornar numa enorme pesquisa. Comecei a gostar muito de aprender sobre este transtorno e ainda fiquei mais intrigada por não conseguir, quase, encontrar informação em Portugal sobre ele. Isso gerou alguma curiosidade em mim, tentei saber mais, procurar pessoas para falar, porque comecei a perceber que as pessoas que têm este transtorno se sentem mal representadas, por exemplo nos filmes», recorda. Devido a isso mesmo, pretende, «pelo menos, respeitar as pessoas que têm o transtorno», ainda que o seu filme não seja documental e, sim, uma ficção.
Na prática, «em cada divisão da casa, conhecemos uma identidade da Marta», a protagonista, interpretada pela atriz Inês Sá Frias; identidades essas que «vão acabar por gerar algum choque entre elas». Também nos planos de filmagem, Ana Domingues quis representar a vida destas pessoas e, por isso, optou por um plano de sequência, em vez de vários planos diferentes que depois seriam montados. Porquê? «As pessoas que têm este transtorno não têm pausas na vida para escolher trocar de personalidade. E têm de aprender a viver com isso», explica a realizadora.
Esta opção trouxe, é claro, dificuldades acrescidas. Como tinham que gravar tudo «num take, se havia algum engano, tinha de se começar tudo de novo», o que Ana Domingues caracteriza como um «desafio grande». «Por exemplo, eu estava a gravar no primeiro quarto, a personagem estava com uma roupa, de acordo com a identidade que estava a representar; quando ela tinha que sair do quarto para já estar pronta noutro, com outra roupa, eu [como realizadora e operadora de câmara] tinha que arranjar um elemento distrativo para o espectador perceber melhor o que tínhamos acabado de ver e, quando chegávamos ao quarto seguinte, a personagem já parecia uma pessoa completamente diferente», explica.
A equipa
Sendo um projeto sem financiamento, Ana Domingues teve de se desdobrar em vários papéis e pedir a ajuda de alguns amigos para conseguir levar a cabo o seu objetivo. «Querendo fazer o filme, eu é que tenho de arranjar os meios para o fazer. Sabia que, se calhar, não ia ser fácil arranjar a equipa, mesmo em termos logísticos, porque quis assegurar que as pessoas não tinham despesas, pelo menos», começa por explicar.
«A área de que menos gosto é a produção, mas fazia sentido ser eu a fazê-la. Fui eu que andei a pedir patrocínios, por exemplo, fazia sentido ser eu», afirma. Também quis ser a responsável pelo argumento, ou seja, pela escrita do guião. A realização era, para si, um «bom desafio» que quis abraçar. E a operação de câmara era algo que já sabia que gostava de fazer.
Ana Domingues contou, no entanto, com Silvana Torricella como assistente de realização; Cátia Cardoso como assistente de produção, função desempenhada também por Simão Rolo; André Carvalho desempenhou o papel de diretor de som; Patrícia Mota é diretora de fotografia; Inês Domingues, diretora de arte; Eduardo Calças é o responsável pela pós-produção; e Inês Sá Frias, o único elemento contratado, é a atriz que desempenha as seis identidades da personagem da curta-metragem.
COVID-19 não estragou, mas alterou os planos
O filme está neste momento em fase de pós-produção e deve estar pronto em setembro, porém tudo foi atrasado pela chegada da pandemia. «Íamos gravar na primeira semana de abril, mas quando a COVID-19 surgiu em Portugal, tivemos de cancelar mais ou menos por tempo indeterminado», revela a autora, adiantando que ponderou mesmo um plano B, com um guião mais simples.
Todavia, em junho, voltaram a “abrir-se as portas” à possibilidade de filmar Um Quarto de Mim. «A equipa era pequenina e isso é algo que, idealmente, não é bom porque, nos filmes, é importante haver uma pessoa para cada função. Mas dadas das circunstâncias, até foi bom, porque, no máximo, éramos sete pessoas em simultâneo. Não sei até que ponto, com uma equipa maior, podíamos ser impedidos de gravar», avança Ana Domingues.
As normas impostas foram cumpridas, ainda que tenham causado alguma estranheza: «Foi muito estranho toda a gente ter que usar máscara. Para comer, cada um tirava o seu prato e os seus talheres. Em vez de cada um se servir, havia alguém que servia a equipa inteira para evitarmos contactos nas coisas em que mexíamos. Quando me levantava, desinfetava interruptores e maçanetas, foi um bocadinho assustador», exemplifica. «O que me deixou mais triste foi que, normalmente, nas rodagens, a equipa acaba por ganhar muita empatia. Às vezes, sentíamos necessidade de nos abraçar depois de conseguirmos um take bom e isso não podia acontecer. Isso foi mesmo o mais estranho», afirma.
Em discurso direto
Para conseguir suportar alguns dos custos de realização do projeto, foi criada uma campanha de crowdfunding. Ana Domingues deixa um apelo, para conseguir levar a “bom porto” o seu objetivo: «Acabámos de chegar ao nosso objetivo na campanha de crowdfunding, no entanto tivemos também algumas despesas extra e imprevistos, pelo que toda a ajuda é bem-vinda! Cada euro faz a diferença!». A contribuição pode ser feita aqui.
Fotos por Inês Domingues