Alexandra Pereira tem 23 anos e há cerca de três sofreu de anorexia. Motivada por uma vida demasiado ocupada e privada de fazer desporto, Alexandra reduziu gradualmente a quantidade de comida que ingeria e, quando se apercebeu, o seu corpo já não permitia que comesse mais. Na recuperação descobriu a musculação e hoje diz-se completamente apaixonada por esta modalidade.
A dança como porta de entrada no mundo do desporto
Alexandra Pereira cresceu num ambiente saudável, em que a prática desportiva era parte do quotidiano. Apaixonada por artes, a dança foi, desde sempre, o seu desporto de eleição. «Comecei quando era muito pequenina, tinha 5 aninhos. Vivia com os meus pais em Figueira do Lorvão (Penacova) e não tinha nenhuma atividade extracurricular. O meu pai decidiu inscrever-me num grupo de dança que havia na aldeia. Na altura, o meu pai já frequentava um ginásio, e às vezes levava-me com ele, e eu “apanhava uma seca” porque ficava a olhar. A certa altura, o ginásio decidiu criar um grupo de dança para os mais pequenos e eu inscrevi-me», conta. Foi então que conheceu Joana Nogueira, treinadora desse grupo, e alguém que considera «muito importante» na sua vida. «A Joana acompanhou-me desde os seis até aos 20 anos», lembra. Foi nesta idade que Alexandra acabou por deixar a modalidade.
Sobre dança, Alexandra é perentória: «Eu amava aquilo!», afirma. «Só queria evoluir, passava a vida a ver vídeos e adorava estar com profissionais da área…», recorda. Além do grupo de que fazia parte – Triple DC –, representava ainda a sua escola no concurso Escolíadas, quer na dança, quer no teatro, e pertencia à equipa do Desporto Escolar. Além disso, «sempre que podia, ia ao ginásio». «Hoje, olho para trás e penso: “Como é que eu conciliava tanta coisa e ainda era uma excelente aluna?”», questiona-se.
Hoje, guarda a «mágoa de ter deixado a dança» e confessa emocionar-se sempre que revê fotos ou vídeos. Porém têm uma nova paixão e sobre isso diz apenas que «perde-se por um lado, mas ganha-se por outro». Sobre a nova modalidade, teremos tempo de falar mais à frente…
Cerca de 20 quilos em seis meses
Quando ingressou no ensino superior, em Gestão, Alexandra Pereira mudou-se de armas e bagagens para Esmoriz, para casa de familiares, o que a obrigava a mais de uma hora e meia de viagem até à faculdade, no Porto. «Entrava às 8h30 e tinha que apanhar o comboio às 6h50, a meio mudar de linha e depois, apanhar o metro», recorda. Além disso, por se considerar «uma miúda que sempre quis agarrar tudo», quis entrar para uma júnior consultora, «que era muito conceituada, tinha imenso renome e todas as pessoas da área da Economia e da Gestão que iam para lá, tinham 100% de empregabilidade no final», refere.
Começou a ser complicado conciliar tudo isto, acrescentando o facto de que, por vezes, por ter trabalho na consultora, ao fim de semana acabava por não poder ir a Coimbra, e consequentemente era, assim, impedida de estar com a família, os amigos e o namorado. «Comecei a sentir-me cada vez mais desgastada», lembra, afirmando que abdicou do ginásio, teve de deixar a dança e tudo isso a «corroía», uma expressão usada pela própria.
Como deixou de praticar desporto, Alexandra decidiu que tinha de passar a comer menos e, a partir daí, diz que entrou numa «bola de neve»: «Começas a comer cada vez menos, sabes que há pessoas que fazem dietas para cortar hidratos, por exemplo, e depois começas a ser autodidata, fazes a tua dieta, inventas e entras num ciclo. O corpo vai-se habituando cada vez a menos comida, o estômago vai ficando mais pequeno… Depois queres comer e já não consegues», conta. Xana, para os amigos, que pesava por norma cerca de 62 quilos, chegou aos 41.
«As pessoas vão dizendo “estás mais magra” e até sabe bem ouvir aquilo», de início, o difícil chegou quando Alexandra começou a sentir limitações no seu dia-a-dia. «Quando eu ia fazer uma aula de dança ou ginásio, o meu corpo já não tinha capacidade, estava a começar a perder a força. A minha roupa estava a ficar muito larga. Eu não tinha rabo, nem sequer conseguia sentar-me nas cadeiras do auditório porque me doía, não tinha glúteo, batia com o osso na cadeira. Lembro-me de ir ao cinema com a minha mãe, e sair passados 15 minutos porque não conseguia acompanhar o filme. Deixei de ter período, as minhas unhas pareciam folhas de papel, o cabelo começou a cair…», recorda.
Durante este período, Alexandra pediu transferência para a Universidade de Coimbra e pôde retomar, um pouco, a sua atividade física. Foi então que reconheceu as limitações que já tinha. Finalmente, passados cerca de seis meses, e ao começar a aperceber-se do «desespero» dos pais, Alexandra aceitou ajuda. «Comecei a ser seguida por uma equipa composta por um endocrinologista, uma psicóloga e uma nutricionista», revela.
Depois da aceitação…
Quando chegou aos 41 quilos, ouviu os médicos dizerem-lhe que o seu corpo tinha apenas 4% de massa muscular e uma frase que caracteriza como sendo «um dos momentos mais marcantes» da sua vida: «Eu tenho medo que tu, daqui a uma semana, já não estejas aqui». «Aquilo foi assustador», reitera. Naquele momento, diz ter pensado em todas as coisas «que ainda queria fazer» e «a partir desse momento», afirma ter ganho «pavor à morte, é um assunto tabu».
Colocou-se a possibilidade de ficar internada, sem qualquer contacto com o exterior, ligada a soro 24 horas por dia para que o seu corpo recuperasse, porém sob a promessa do pai de que Alexandra cumpriria tudo o que lhe fosse pedido e não sairia de casa, foi no seu lar que ficou “internada”. «Naquele dia, cheguei a casa e, não sei como, “abri a goela” e comecei a comer», recorda, afirmando que a postura dos médicos foi «a lambada de que precisava».
Inicialmente, sentia-se mal disposta, «tinha muita vontade de vomitar, porque o corpo não conseguia aguentar tanta comida», ainda que estivesse medicada com protetores gástricos e enzimas digestivas. Porém, a «melhor alegria» da sua vida, chegaria uma semana depois: havia ganho 700 gramas. Ainda que a ganhar algum peso, o seu quotidiano era limitado, não podia fazer desporto e há algum tempo que tinha deixado de ir às aulas, o que a fez “perder o semestre”. «Senti que perdi parte da minha vida», naqueles meses, afirma. Na segunda metade do ano de 2017, depois de começar a recuperar algum peso, Alexandra passou por uma fase de complexos com a sua aparência: «Não queria que ninguém me visse, sabia que estava horrível e tinha mesmo vergonha. Isolei-me de toda a gente», recorda.
A descoberta da musculação
Cansada de estar em casa, e já depois de recuperar um pouco, resolveu pedir aos especialistas que a acompanhavam para regressar aos seus treinos. Foi autorizada com a condição de ir apenas duas vezes por semana e não fazer qualquer exercício de cardio, que a faria perder peso, mas sim musculação. «Comecei a ir mas não sabia bem o que andava ali a fazer», ri. Entretanto, tinha também começado a trabalhar nos meses de verão e com o regresso à vida “normal”, Alexandra voltou a perder peso.
É nesse momento que entra na sua vida o personal trainer Pedro Correia. Um dia, no ginásio, quando começou a sentir-se mais fragilizada por estar novamente a emagrecer, pediu ajuda a Pedro Correia. «Ele foi brusco comigo, olhou para mim e disse: “Eu vou ajudar-te mas tu vais fazer tudo o que te disser, e se deixares de cumprir, desisto de ti e ficas por tua conta”». Alexandra aceitou. Pouco depois começou a ser acompanhada também por uma nutricionista, Catarina Augusto. Juntos, os três, formaram o grupo que ajudou Alexandra a recuperar em pleno e a motivá-la para um novo desporto.
Com o gosto e com a sua evolução para outro patamar, Alexandra Pereira é agora acompanhada por José Batista, culturista, que a «incentiva imenso para seguir a área do desporto», um dos seus sonhos. Para os seus treinos, contribui também Rúben Neves, «um grande amigo»: «Para mim, é um amigo incrível, ouve-me sobre o desporto mas também sobre todas as coisas que se passam na minha vida. Quando eu vou treinar com ele, é um estímulo diferente», afirma.
A chave está no equilíbrio
«Quando comecei com isto, era muito fundamentalista», adianta, «não queria ir a jantares com amigos, nem com a família, porque comecei a ver resultados». Porém, um novo amor mostrou-lhe que «tem de haver equilíbrio»: «Em 90% do tempo faço tudo certinho, mas se me apetecer ir jantar fora com uma amiga vou. E se vou a uma festa de aniversário, não sou obrigada a comer bolo, mas pelo menos já estive presente», conta.
Afirma que, para já, o seu foco é terminar o mestrado em Economia e Administração de Empresas para poder, depois, entrar no mercado de trabalho. «Sou doida pelo culturismo, quero evoluir cada vez mais, e um dia mais tarde, o que quero mesmo é juntar as duas coisas, o desporto e a gestão. O meu sonho é ser gestora de uma cadeia de ginásios, ou o auge na gestão desportiva que era acabar num Sport Lisboa e Benfica ou num Futebol Clube do Porto», afirma.
No momento atual, diz que se sente bem consigo, coisa que «nunca» pensou dizer. «Posso dizer que gosto muito do meu corpo como ele está hoje. Já o odiei e sinto que perdi muita autoestima com a anorexia. Hoje já me sinto melhor, uso roupas que não usava e este ano, pela primeira vez [depois do distúrbio] estou a ir realmente à praia», revela.
Além dos pais, sobretudo da mãe que sempre a acompanhou às consultas e com quem viveu algum tempo, Alexandra Pereira não quis terminar a nossa entrevista sem falar dos avós. «Ajudam-me imenso», avança. «Mesmo no que toca à dieta, quando comecei, às vezes as outras pessoas ficavam a olhar de lado e a comentar que eu pesava a comida ou comia diferente, e eles sempre disseram: “Deixem a miúda, desde que recupere, é o mais importante”». Alexandra Pereira mostra-se grata por ainda ter, junto de si, os quatro avós, afirma que são «pessoas fantásticas» e que «pesaram muito» na sua recuperação.