Adriana Boiça Silva: Uma coluna aos “esses” virou vida sempre a direito

Escrito por

Catarina Correia Martins
17 Dezembro 2020

Adriana Boiça Silva descobriu que tinha escoliose, aos 12 anos, quando viu um raio-x das suas costas que lhe mostrava a coluna num “esse” quase perfeito. Resolvido o seu problema, 10 anos depois, decidiu retratar esse percurso em fotos. Hoje é a nossa protagonista não só por isso, mas porque a fotografia foi o destino que escolheu para si (ou terá sido o destino que a escolheu?), e desde então segue “a direito” rumo aos seus objetivos, todos os dias.

No final do verão de 2006, Adriana estava prestes a entrar para o banho quando a sua mãe deu conta de um alto nas suas costas, «do lado direito, em cima, fazia tipo uma montanha», conta. «Achámos super estranho porque isso foi depois do verão e eu tinha estado na praia, imensas vezes de biquíni e nunca ninguém reparou em nada», lembra. Por isso, e por nunca ter tido nenhuma dor ou qualquer outro sintoma – «nessa altura, fazia Educação Física normalmente e não sentia nada de anormal» –, não sabe dizer o exato momento em que aquela «montanha» apareceu.

«Marcámos consulta no médico de família, que pediu para fazer um raio-x, que mostrou que eu já tinha 48 graus de curvatura», conta. Encaminhada para o serviço de Ortopedia do Hospital Pediátrico de Coimbra, ouviu o veredito: «A única solução seria mesmo a cirurgia». Pré-adolescente, não queria ser operada pelo medo dos riscos que a intervenção acarretava: «São muitas horas, eu estive oito horas no bloco e o médico explicou-me desde logo que iam mexer numa parte muito sensível, a coluna, e que se correr alguma coisa mal, eu podia ficar numa cadeira de rodas», recorda.

Foi operada 10 meses depois de ter descoberto a doença e, nesse espaço de tempo, «a curvatura quase que duplicou». Hoje, considera que «ainda bem» que fez a operação, porque podia vir a ter «muitos problemas, a nível respiratório, cardíaco… Já estava tão torta, e se não fosse operada ia ficar pior, que os próprios órgãos iam deixar de ter espaço. Sei lá como é que estaria agora», atira.

Adriana Boiça Silva afirma que, emocionalmente, «não foi difícil» e diz nunca ter sentido qualquer discriminação pela deformação que tinha nas costas: «Sei que as crianças são muito maldosas, mas eu nunca senti isso. Nunca achei que me olhassem de lado por eu ter um papo nas costas, que me apontavam o dedo, que gozavam comigo… E por isso, para mim, nunca foi um problema, nunca pensei no que os outros iam dizer. Mesmo depois da operação, quando fui para a escola, todos os meus colegas me ajudavam muito porque eu não podia andar com a mochila. Se eu tivesse sentido isso, se calhar teria sido tudo muito mais difícil», reconhece.

Quando a doença se transformou em arte

Dez anos depois, a estudar fotografia no Porto, chegada a hora de fazer um trabalho final, decidiu que estava na hora de pegar nesta sua história. «Sempre quis fazer alguma coisa com isto, aliás, até tenho pena de na altura não estar tão ligada à fotografia e os telemóveis não serem como agora. Não tenho quase fotografias da altura», afirma, acrescentando que um outro arrependimento é o de não ter qualquer registo escrito da época, «um género de um diário ou algo desse estilo».

Para construir este trabalho, teve de procurar nas suas memórias mas também fez muita pesquisa, lendo testemunhos de outras pessoas que, por terem passado pelo mesmo, a fizeram redescobrir sensações da época. «Se eu tivesse memórias mais presentes, poderia ter ficado mais detalhado ou maior, mas não acho que tenha ficado mal», considera.

Perene foi o nome que escolheu para o ensaio fotográfico (que pode ser visto na íntegra aqui). Constituído por oito fotografias, Adriana pretendeu «colocar cronologicamente alguns acontecimentos e algumas memórias que tinha daquele tempo». No entanto, «não queria que fosse tudo muito objetivo, não queria que olhassem e vissem logo as coisas, queria que, em algumas imagens, cada pessoa pudesse interpretar à sua maneira, antes de saber o que aquilo queria dizer para mim. Quis também incluir a natureza, porque a deformação não existe só em nós», revela.

E é precisamente pela natureza que começa o trabalho, uma árvore tão semelhante à sua coluna naquela época. A mãe é também uma figura presente numa das fotografias, não apenas porque foi quem detetou toda esta situação, mas também porque Adriana quis prestar-lhe uma homenagem e um agradecimento por todo o tempo em que a acompanhou. «Enquanto estive internada, a minha mãe esteve sempre comigo. Entrou no hospital quando eu entrei e durante todo o tempo em que lá estive, quase não saía do quarto», recorda.

O trabalho fez parte de uma exposição, organizada pelo Instituto Português da Fotografia, onde Adriana estudava, que, por sua vez, deu lugar a um artigo no P3. Ultimamente tem relembrado tudo isto nas suas redes sociais e afirma que tem tido «vários feedbacks». «Uma coisa que me deixa muito feliz é pessoas que passaram pelo mesmo, ou mães que têm filhas que vão ser operadas, virem falar comigo e contarem a história delas», começa por dizer, acrescentando que «isto é giro» porque é inesperado: «Quando fiz o trabalho, nunca foi com esse intuito, isso nunca esteve na minha cabeça. Quando chegam esses contactos, fico bastante surpreendida, mas deixa-me muito feliz», avança.

Ver o mundo através da lente

Aquela foi apenas a primeira exposição de Adriana, mas já lá vamos. Recorda que quando era moda ter uma «daquelas câmaras compactas que tinham quase nada de megapixels», andava com uma «para todo o lado e fotografava imenso, sem pensar nisso, fazia-o de uma forma muito livre». Mas foi na música que deu os seus primeiros passos mais a sério no que à fotografia diz respeito. «O meu pai tem um programa na Rádio Universidade de Coimbra, Santos da Casa, onde fala de música portuguesa. Ele ia a muitos concertos e eu comecei a ir com ele. Levava a minha câmara, fotografava umas coisas, de forma muito descomprometida…», conta.

Com o tempo e com o crescimento deste “bichinho”, comprou câmaras mais sofisticadas e começou a partilhar com os artistas as fotos que tirava. E não mais parou… Para si, as fotos dos concertos são um arquivo: «Fotografo música desde 2008, tenho fotografias de bandas que já não existem, de pessoas que agora têm outras bandas, vê-se que as pessoas cresceram, que mudaram e eu gosto de sentir que estou presente na evolução de algumas bandas e de alguns artistas», confessa.

É esta perspetiva, a de escrever de uma outra forma, a história das pessoas, que a leva a gostar tanto da profissão que tem agora: é fotógrafa, maioritariamente, de um estilo a que chama de «fotografia familiar», ou seja, «casamentos, batizados, sessões de casal». «É uma forma de estar presente na vida daquelas pessoas e de contribuir de alguma forma», afirma. Para si, «a fotografia tem um poder gigante», porque atravessa gerações.

As outras exposições

O ano passado foi, para si, profícuo na divulgação do trabalho que faz. Em Coimbra, na Casa das Artes, esteve patente uma exposição para comemorar o aniversário do Festival Santos da Casa, que Adriana fotografa desde 2009 (aqui está). «A exposição é uma seleção de fotografias de alguns concertos que fizeram parte do festival, uma viagem por alguns dos concertos mais especiais para mim», explica. «Foi um trabalho que gostei muito de fazer, pus em retrospetiva tudo o que já tinha feito dentro daquele tema. Achei muito gira essa parte de ver a evolução, não só dos músicos, mas também da minha forma de fotografar», refere.

Mas foi no concelho de Tomar, na pequena aldeia de Cem Soldos, que idealizou e realizou um dos seus trabalhos favoritos. «Já vou ao [festival] Bons Sons desde 2010 e desde aí que fotografo», refere. No ano passado, por ser a 10.ª edição do festival, Adriana propôs fazer uma exposição que seria, então, uma revista em fotos de todos aqueles anos. «Queria que as imagens estivessem pela aldeia. O que acabámos por fazer foi colocar as imagens dentro das janelas das casas das pessoas», conta (algumas das fotografias podem ser vistas aqui).

Confessa ter uma ligação especial com o festival por considerar que «as pessoas que vivem lá, fazem parte do festival, é um ambiente muito familiar». Este motivo levou-a a chamar Dar e Receber àquela exposição: «Acho que a aldeia é mesmo um sítio de reencontros. É muito acolhedora e está sempre pronta para dar, o que recebe de nós, dá aos outros», afirma. E foi cheia de orgulho que, este ano, ao regressar a Cem Soldos, percebeu que «algumas fotografias ainda estão nas janelas»: «Fiquei muito feliz por algumas pessoas quererem mantê-las nas suas casas», sublinha.

O futuro

Mantém um blogue (este) desde 2008, que começou a alimentar com os concertos a que assistia, partilha muitas das suas fotos na conta de Instagram pessoal (ora vejam) e tem conta no Behance (aqui), no entanto, entre os seus projetos para o futuro, está um site onde possa compilar todo o seu portefólio. «Acho que a maior parte das pessoas me conhece dos concertos e eu queria que pudessem conhecer outros tipos de fotografia que eu também gosto muito de fazer», revela. Ficamos à espera, Adriana.

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