Ana Milhazes: A sustentabilidade como modo de vida

Escrito por

Catarina Correia Martins
14 Maio 2020

Ana Milhazes, 35 anos, natural da Póvoa do Varzim, mas a morar na Costa Alentejana, encetou em 2011 uma mudança que viria reestruturar toda a sua vida. Atualmente, a sua filosofia é a sustentabilidade para com o planeta e para consigo própria e, apesar de dizer que isto é uma viagem sem fim, assume hoje viver em plenitude aquilo em que acredita.

O primeiro passo

«Defendo que tenhamos uma visão o mais simples e o mais calma possível [da vida], que é um bocadinho difícil nos dias que correm», é assim que Ana Milhazes descreve aquilo que a move, a sua filosofia de vida. Mas nem sempre foi assim… A primeira grande mudança teve início em 2011, quando Ana «supostamente já tinha conquistado aquilo que a sociedade diz para conquistar», ou seja, «tinha um ótimo emprego, gostava muito do que fazia, tinha uma casa, uma relação estável», no entanto diz que não se sentia feliz. Se calhar, muitos de nós, na sua situação, teriam pensado: «Deixa-te de parvoíces, porque está tudo bem». Não foi o que Ana fez… Achou que a sua infelicidade vinha do facto de «ter coisas a mais, porque tinha pouco tempo», então decidiu que tinha de se organizar melhor. A escolha estava feita e o primeiro passo para uma nova vida estava dado. «Descobri o minimalismo, comecei a ler muito sobre isso e, na altura, comecei a libertar-me de algumas coisas e foi muito curioso porque comecei pelas coisas físicas, mas passei às não físicas», conta Ana Milhazes, explicando de seguida que começou «pela tralha, a roupa e os sapatos», mas depois passou aos «compromissos, hobbies que já não interessavam» e deixou de estar «com algumas pessoas que já não faziam muito sentido».

Apesar de acreditar muito na mudança que estava a fazer, nunca quis “evangelizar” e por isso nunca impôs «nada a ninguém»: «Fazia isto para mim e o facto de as pessoas verem o que eu estava a fazer, sem impor, e que me estava a sentir melhor, levou a que algumas pessoas quisessem experimentar», revela. Ainda assim, considera que, inicialmente, nem toda a gente se apercebeu do que estava a fazer: «Aquilo que vamos fazendo dentro de casa, muitas pessoas não percebem», diz. Essa “revelação” chegou quando se aproximava o seu aniversário e o Natal. «Fui explicando o que estava a fazer, que me estava a sentir melhor, que tinha mais tempo livre, para que as pessoas compreendessem e não me oferecessem coisas [nessas duas datas], porque a verdade é que, a partir daí, comecei a recusar presentes nesses dois momentos», conta. Sempre se sentiu compreendida? Não. «Claro que houve alguma incompreensão, por exemplo nos colegas de trabalho, mas nós também vamos selecionando um bocadinho, sabemos que com esta pessoa podemos partilhar isto e com aquela aquilo. Na altura eu era bastante assim, as coisas eram muito compartimentadas, não era como hoje em dia, agora posso dizer que vivo em plenitude aquilo em que acredito, seja na vida pessoal, seja na profissional», avança.

Ana, Go Slowly e um sem fim de projetos

À medida que ia adotando um novo estilo de vida, Ana Milhazes foi anotando tudo num diário. Assim, no ano seguinte, e por gostar muito de escrever, decidiu criar o blogue Ana, Go Slowly (que pode ver aqui), onde recuperou alguns dos registos que tinha feito ao longo dos primeiros meses de mudança. «Foi dos primeiros blogues em Portugal a falar sobre minimalismo e sobre a vida simples. No fundo, era uma partilha muito genuína sobre as mudanças que estava a fazer e os efeitos positivos que estava a sentir», adianta. Achou que «ninguém ia ler o blogue» que ainda hoje mantém, no entanto o «feedback positivo» não tardou a chegar. Ana considera que o blogue a ajudou a «cumprir a missão» que tinha «desde pequenina»: «Ajudar os outros».

As mudanças levaram-na também a descobrir o yoga. E digo que foram as mudanças que o fizeram porque a própria considera que antes de todo o processo, «teria sido completamente impossível»: «Sou muito acelerada e portanto não gostava desse tipo de atividades físicas que fossem mais calmas. Mas a verdade é que, como já tinha feito uma série de mudanças, o yoga acabou por surgir naturalmente», lembra. Passado «pouquíssimo tempo» de começar a praticar, decidiu fazer a formação e, logo depois, surgiu a oportunidade de dar aulas, no caso para substituir a sua professora. Iniciou-se então uma nova rotina: «Durante três meses, durante o dia tinha a minha profissão, na altura era gestora de projeto na área da informática. E depois, à tarde, tinha que ir dar aulas, estar completamente calma, era quase como se eu fosse duas pessoas diferentes», recorda. Porém, o balanço positivo da experiência fê-la colocar tudo em perspetiva e questionar se havia a possibilidade de o yoga deixar de ser apenas um passatempo e passar a ser uma profissão. A resposta a esta pergunta vem mais tarde, lá chegaremos.

Apesar de considerar que sempre foi uma pessoa preocupada com o planeta e com as boas práticas ambientais, aponta o ano de 2016 como um marco e como mais um ponto de viragem: decidiu que queria deixar de produzir lixo ou, pelo menos, produzir o mínimo possível. Descobriu o conceito “desperdício zero”, começou a informar-se sobre ele, a partilhar o que descobria no seu blogue, e foi então que criou o movimento Lixo Zero Portugal. Criou um grupo de Facebook para partilhar e receber informação e, mais uma vez, quando achava que a adesão ia ser baixa, o grupo «cresceu rapidamente». «Foi muito bom perceber que havia muito mais pessoas que estavam interessadas neste estilo de vida», diz. À medida que foi partilhando informação, começaram a surgir solicitações para realizar workshops e palestras. «E, no fundo, tendo estes projetos, fui ficando sem tempo», adianta.

O corpo dá o alerta

Numa fase desafiante em termos de trabalho e com todos os projetos extra laborais, Ana Milhazes confessa que se sentia «completamente exausta», e toda a “limpeza” que tinha feito à sua vida estava agora a caminhar em sentido inverso. Foi então que aconteceu um episódio que caracteriza como «absolutamente marcante». «Eu ia a conduzir para o trabalho, na Ponte da Arrábida, um sítio no Porto bastante movimentado, e tive uma espécie de apagão, deixei de ver. Felizmente não me aconteceu nada, não deixei de conduzir e não parou nenhum carro à minha frente. E nesse instante, quando volto a mim, pensei: “Hoje é o meu último dia de trabalho”», lembra. Nesse mesmo dia, Ana falou com o responsável da empresa onde trabalhava.

«Quando fui ao médico, foi-me diagnosticado [Síndrome de] Burnout», um distúrbio emocional, que se manifesta pela exaustão e pelo esgotamento físico, resultantes de situações de trabalho. Ana Milhazes foi aconselhada pelo médico a «parar imediatamente» e quando parou «tinha ataques de ansiedade todos os dias». «Quando parei, aconteceu uma coisa curiosa, todos os sintomas começaram a vir ao de cima. Comecei a ter ataques de pânico, não conseguia dormir. Fiquei muito pior, voltei ao médico e já tinha evoluído para depressão», revela. Para si, e depois de dois meses nesta situação, deixou de fazer sentido estar de baixa e continuar vinculada à empresa onde trabalhava. Decidiu «dar o salto de fé»: «Pensei “vou continuar a dar aulas de yoga, vou começar a fazer mais palestras, workshops, e vou conseguir viver das minhas paixões”». Depois de mais algum tempo de tratamento (natural, uma vez que não reagiu bem aos químicos), fez o que planeou e é nesse pé que se mantém até hoje.

«Nas minhas palestras, faço sempre questão de contar este episódio porque, de facto, eu era muito sustentável com o planeta, se calhar até mais do que hoje porque no início era bastante radical, mas não era sustentável comigo», considera. Por isso, a quem quer mudar, dá uma dica simples: «Escolham e façam uma mudança de cada vez, porque se tentarem fazer tudo ao mesmo tempo, vai parecer uma missão impossível, vão ficar desmotivados e não vão ser sustentáveis convosco». Na opinião de Ana, «hábitos positivos geram hábitos positivos», por isso a adaptação pode ser feita aos poucos, que a «vida vai ficando muito mais feliz e mais saudável».

Sobre se já chegou onde queria estar, responde que «isto é uma viagem, nunca tem fim», no entanto admite já ter conquistado «grande parte das coisas que tinha como objetivo». Já este ano lançou o livro Vida Lixo Zero, «um sonho já antigo» de deixar a sua «mensagem escrita; e mudou-se para a Costa Alentejana. «Era algo que eu já queria há muitos anos, porque o contacto com a natureza e estar num lugar mais calmo era algo que eu sabia que me ia fazer muito bem», refere.

Portugal tem oferta?

E as compras? Como é fazer compras para garantir a tal sustentabilidade? Os portugueses têm opções no seu próprio país? Ana Milhazes começa por dizer que se nota «uma grande diferença» de 2016, quando começou, para agora. Na altura «tinha muitas dificuldades» e havia questões que se impunham: «Se queremos ser mais sustentáveis, faz sentido fazer quilómetros e quilómetros para ir a uma loja de propósito? Faz sentido encomendar alguma coisa que vem, por exemplo, da Austrália, quando a pegada [ecológica] para chegar aqui é gigante?». Então, Ana adaptou a sua realidade para poupar recursos: na altura, andava de carro e por isso aproveitava a hora de almoço para fazer as compras. «No início tinha que ir a três lojas, pelo menos, para fazer as compras todas», além disso, «muitas coisas tinha que encomendar online e nem era em lojas portuguesas», conta. Outro dos exercícios que fazia era encomendar um «cabaz de legumes e frutas» a um casal de agricultores, aos quais deixava o seu lixo orgânico, «porque eles faziam compostagem».

Hoje, a realidade mudou e «é muito mais fácil fazer compras». Há muito mais oferta em lojas físicas e também as lojas online «cresceram imenso. Claro que muitas têm produtos que não são portugueses, mas, ainda assim, acaba por ser muito mais sustentável, porque fazem uma grande encomenda e o cliente final está a comprar numa loja portuguesa». É, todavia, assinalável a «disparidade entre as cidades maiores e os meios mais pequenos». Enquanto que no norte já era fácil ter este estilo de vida, no local onde agora mora, no Alentejo, diz sentir «muita dificuldade» porque «coisas que fazia há muito tempo sem pensar muito no assunto», agora exigem mais ponderação já que não há «lojas a granel». «O que estava a fazer antes da pandemia era aproveitar e fazer as compras uma vez por mês, ir a uma loja a granel, que neste momento só tenho duas hipótese, na Margem Sul ou em Aljezur, qualquer uma delas a mais de uma hora de distância, ia com amigos daqui que também se interessam por este tipo de coisas, partilhávamos despesas e fazíamos compras maiores», conta. Não podendo fazê-lo, a opção é «ir aos supermercados e tentar escolher as coisas sem plásticos, que tenham [em vez disso] cartão ou vidro». «Mesmo que não consigamos fazer o ideal, há sempre algo que possamos fazer», termina.

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